quinta-feira, 28 de maio de 2009

Teologia Prática para Crianças


Talvez você ainda não tenha parado para pensar num fato bastante comum de nosso dia-a-dia, mas que, via de regra, acaba passando desapercebido diante de nossos olhares desatentos. E o fato é: desde cedo, sem que o saibam na maioria das vezes, os pais matriculam suas crianças num curso de teologia prática intensiva. Esta informação, a princípio, pode soar estranha, mas é a mais pura verdade. Senão, veja só. Quando um pai diz ao seu filho, por exemplo: "Filho, se você não comer toda a comida o Papai do céu vai ficar zangado com você", ou então: "Filha, se você não fizer a lição de casa, o Papai do céu irá te castigar", o pai está, em última análise, ensinando teologia para a criança. Ou melhor, está ensinando uma teologia onde a imagem de Deus é grandemente distorcida e desvirtuada. Em outras palavras, é como se o pai lhe dissesse: "Filho (a), Deus é um Pai chato, ranzinza, carrasco e severo, que vive sempre à nossa espreita procurando alguma falha, a fim de poder nos punir".

Por outro lado, sempre que a criança apronta algo e os seus pais lhe "repreendem" num tom paradoxalmente simpático de aprovação, dizendo: "Filho (a), vê se fica quieto (a)! Você parece um (a) capetinha!", tal frase pode representar na mentalidade ainda em formação da criança o seguinte: "Filho (a), o capeta (diabo) é arteiro, brincalhão e bagunceiro". Dito de outra maneira: "O capeta não é tão ruim como o pintam. Ele até que é um sujeito bem legal!". Além disso, de acordo com estudos psicológicos, sabe-se que a criança tende a ver o lado paterno de Deus (Deus como Pai) através da lente comportamental de seu pai biológico. Isto significa dizer, por exemplo, que se um pai vive maltratando o seu filho (por meio de xingamentos, falta de atenção, espancamentos e outros comportamentos reprováveis), a tendência da criança será transferir este aspecto relacional negativo experimentado com o seu pai biológico para a figura teológica de Deus como Pai. Tal fato poderá desencadear na criança um bloqueio na sua relação filial com Deus, fazendo-a sentir sérias dificuldades psicológicas em aceitar a Deus como Pai amoroso, compassivo e carinhoso. A partir dessas considerações, urge fazermos as seguintes perguntas: "Como é que nós, pais, nos relacionamos com os nossos filhos?". E ainda: "Que imagem paterna de Deus, estamos ajudando a formar em nossos (as) filhos (as), a partir da nossa relação cotidiana com eles?".

Ora, diante deste preocupante quadro que é desenhado, penso que caiba a cada pai reavaliar a sua postura comportamental para com o seu filho (a), bem como, se auto-questionar sobre a qualidade do papel paterno que ele tem desempenhado no contexto doméstico e fora dele. Que os pais continuarão a ensinar teologia aos seus infantes, isso está bem claro. Porém, a pergunta que se faz necessário responder é: "que tipo de teologia prática os pais continuarão a ensinar aos seus filhos?". Dependendo da resposta dada a esta questão, poderemos estar preparando para o futuro dois tipos de pessoas adultas: aqueles (as) que terão prazer em chamar a Deus de "Abba" (paizinho), pois se vêem a si mesmos (as) naturalmente como "filhos (as) de Deus", ou aqueles (as) que apenas O conhecerão como "Senhor", porque se enxergam unicamente como "servos (as) de Deus", e não como filhos (as).

Na paz de Cristo,

Carlos Augusto Vailatti

sexta-feira, 22 de maio de 2009

A Conspiração Bonsai: Reflexões


Introdução

Ao ler o livro: “A Conspiração Bonsai” de Paul Anderson-Walsh, São Paulo, Grapho Editores, 2006, confesso que me senti impactado por alguns pensamentos que encontrei nesta obra. Abaixo, destaco apenas alguns insights do autor, os quais foram extraídos dos primeiros seis capítulos de seu livro. Acredito que alguns trechos dessa obra nos farão refletir bastante sobre o legalismo hoje presente em muitas de nossas igrejas:

I – Textos Selecionados do Livro:

No prefácio da obra, Steve McVey faz as seguintes declarações sobre Walsh: “Paul Anderson-Walsh é tanto um amigo como um profeta para a igreja moderna. Um amigo, pois seu coração anseia em ver os que seguem a Cristo livres das cadeias do legalismo religioso, que impede as pessoas de alcançarem seu potencial pleno. Um profeta porque ama a igreja a tal ponto de declarar, com ousadia, a verdade que abre as portas para a liberdade, mesmo quando esta fundamenta-se em forte contradição às falsas tradições que muitos adotaram, erroneamente como doutrina”. (p.15) Depois disso, McVey complementa: “Por muito tempo buscou-se um crescimento que estava confinado num vaso religioso, impedindo o aprofundamento de nossas raízes espirituais. Temos permitido que os ramos de nossa vida espiritual sejam podados por ministrações manipuladoras, deixando-nos com a aparência normal, onde na realidade fomos minimizados e atrofiados de nosso crescimento”. (p.15)

Após estas considerações preliminares, Walsh define Bonsai como: “a técnica e ou arte, originária do Japão, de miniaturizar plantas (geralmente árvores ou arbustos), através de métodos específicos que visam manter suas características normais de proporção e morfologia”. (p.19)

Em seguida, o autor afirma que “a forma de religião que a maioria dos cristãos adota é a escravidão, não a liberdade” (p.24).

Ao falar sobre o bonsai, Walsh comenta que “as árvores ou arbustos em questão são manipulados de forma a serem minimizados, nanicos. Ao invés de crescerem até atingir seu tamanho potencial, seu crescimento é impedido e interrompido. Interessantemente, isso é alcançado nutrindo-os em vasos rasos e sujeitando-os a podas seletivas” (p.29).

Ao dar continuidade ao seu pensamento, o autor, comparando o Bonsai ao Ser Humano, declara: “Fico intrigado pelo paralelo entre o bonsai e o problema, muitas vezes ignorado, do ser humano. Parece-me que nós também estamos sujeitos a uma forma semelhante de manipulação. Não só fomos plantados em vasos rasos, nos quais é impossível que nossas raízes cresçam e se aprofundem até o solo rico e doador de vida; pior, o solo está contaminado. Além disto, nosso crescimento está comprometido pela ‘poda’ da Vida de Deus, cujo fluxo é impedido de alcançar nossos galhos devido às tesouras dos ‘deves’ do que os cristãos intitulam ‘legalismo’ e que Freud chama de alienação religiosa”. (p.29).

Walsh completa e amplia a sua argumentação, dizendo: “na verdade, toda a raça humana tem sido restringida. Quer seja através de contratos religiosos ou sociais, desenvolvemos roteiros mentais que nos condicionam”. (pp.29,30).

Mais adiante, o autor irá declarar: “Parece que o Homem prefere as algemas à liberdade. Na verdade, somos completamente institucionalizados”. (p.57).

Ao comentar sobre o pensamento que inspirou o nome de seu livro, Walsh expõe então a sua tese: “Sugiro que há uma conspiração. Isso se dá no cerne do que eu chamo de ‘Conspiração Bonsai’. Sugiro que, sem que saibamos, fomos neutralizados para evitar que cresçamos. Por que, você pergunta, alguém permitiria ser restrito dessa forma? Bem, na verdade, a maioria, senão todos nós, não percebemos que nosso crescimento foi limitado. Há muitos vasos limitadores, inúmeros. (...) chamamos a atenção para um em particular – esforço próprio – o bonsai do auto-melhoramento, visto pelo paradigma da ‘igreja’. (...) veremos que esse vaso em particular é a ‘igreja’, mas pode ser sua carreira, sua comunidade, seus pertences ou qualquer outro paradigma em que você tenta achar significado e propósito para a vida separada da Vida de Cristo em você”. (pp.59,60).

Por fim, ao discorrer sobre o posicionamento de Paulo frente ao legalismo encontrado nas Igrejas da Galácia, Walsh pondera: “A preocupação perene do apóstolo Paulo era desviar a correnteza de Legalismo que ameaçava inundar a Galácia. (...) Em Gálatas eram os legalistas. A abordagem dos legalistas era sorrateira. Ao invés de buscar abater o princípio de justificação pela fé, insistiam que este era apenas o começo e que ele deveria ser completo ou aperfeiçoado através da santificação pelas obras. Na época, a questão era a circuncisão. Hoje pode ser o batismo, jejum, oração, freqüência à igreja, dízimo ou qualquer outra forma de Lei”. (pp.102,103).

II – Formas de Promover o “Legalismo” e as “Tradições de Homens” no Seio da Igreja:

Estes pensamentos mencionados por Paul Anderson-Walsh em seu livro, me levaram a uma série de reflexões nos dias atuais:

Há muitas “tesouras”, aliás, muito afiadas, as quais buscam “podar” o povo de Deus nos dias de hoje. Estas “tesouras” cujas duas lâminas podem ser chamadas de “legalismo” e “tradições humanas” são traduzidas em termos de “você deve (pode) fazer isso/não deve (não pode) fazer aquilo”. Tais instrumentos manipuladores têm estado cada vez mais presentes em nosso contexto eclesiástico de uns tempos para cá. Abaixo, cito apenas alguns legalismos e tradições humanas que têm “podado” a Igreja de Cristo:

- Você, membro da “igreja x”, não pode visitar a “igreja y” (essa postura não é nem um pouco fraterna, além do que, demonstra a total suspeita que o pastor tem de sua ovelha);

- Você deve ser batizado no Espírito Santo (i.e., tem que “falar em línguas”) obrigatoriamente, se quiser ser pastor, caso contrário, não será aceito ao pastorado (esse absurdo já aconteceu comigo!);

- Você, mulher de Deus, não deve usar “batom”, “brincos”, “calça comprida” e “penteados vaidosos”, pois todas estas coisas são do diabo (então o diabo é fashion!);

- Você não deve assistir à televisão, pois ela é um instrumento de Satanás (de novo, a culpa é do diabo!);

- Você deve participar de todos os cultos da campanha das sete semanas de libertação, pois, caso contrário, a sua libertação não será completa (já pensou se Jesus fizesse tal exigência como condição para se obter a libertação em Sua época?!);

- Você deve orar três vezes ao dia, senão Deus não ouvirá a sua oração (ou seja, o que vale é o esforço humano e não a graça divina);

- Você deve falar repetidamente “glória, glória, glória, glória, glória, glória, glória, glória, glória (ad infinitum)” se quiser ser “batizado (a) no Espírito Santo” (esta “doutrina” deve ter sido extraída do livro de “2º o Homem, capítulo 6, verso 66”);

- Você deve dar uma contribuição generosa, se quiser que Deus abençoe a sua vida financeira (isto é, Deus é tão interesseiro quanto você – segundo aqueles que ensinam tal aberração);

- Você não deve conviver com as pessoas do mundo (não-cristãs), pois elas farão você se desviar da fé (pois é, João 17.15 está na Bíblia de enfeite);

- Você deve obedecer ao seu pastor/líder eclesiástico sempre, ainda que ele esteja errado. Caso contrário, você está em rebeldia (muito conveniente, não?!);

- Você não deve questionar jamais a doutrina ensinada na sua igreja (ainda que ela esteja equivocada), pois ela foi inspirada pelo Espírito Santo (é muito fácil usar o nome do Espírito Santo em vão para querer legitimar as nossas ações);

- Você deve orar no monte de vez em quando, se quiser receber mais unção de Deus para a sua vida espiritual (por que tem que ser no monte?);

- Você não deve aceitar este problema na sua vida, pois ele não vem de Deus (já pensou se Jesus usasse esse argumento para não ter que ser crucificado?!);

- Você não deve aceitar a pobreza na sua vida, porque, afinal de contas, você é filho (a) dAquele que é o dono do ouro e da prata (por favor, vá ensinar essa “doutrina” lá na África, no Gabão, na Etiópia etc, e veja como é que as pessoas reagirão a isso);

- Você, que é “pentecostal”, não pode participar de cultos nas igrejas chamadas “tradicionais”, porque essas igrejas são frias (é, tem crentes que são tão “espirituais” que não podem se misturar com outros crentes!);

- Você, que é “tradicional”, não pode participar de cultos nas igrejas “pentecostais”, porque os crentes dessas igrejas são desequilibrados (isso não é verdade, pois há muitos crentes pentecostais que experimentam, de fato, a presença de Deus em suas vidas de forma legítima);

- Você deve ser rebatizado se quiser ser membro dessa igreja, pois o seu batismo anterior não tem nenhum valor aqui (então, Efésios 4.5 serve para quê?!);

- Você, jovem, deve namorar no máximo 6 meses/1 ano antes de se casar. Se passar desse prazo, seu namoro não receberá mais a bênção “de Deus” e “da igreja” (isso é terrorismo puro!);

- Você, mulher de Deus, não deve usar anti-concepcional ou qualquer outro método contraceptivo. Tais procedimentos não agradam a Deus (bom, se a igreja “bancar” fraldas, creche, educação, roupas, remédios e demais gastos dos seus filhos (as), então está tudo bem);

- Você, obreiro, não deve faltar a nenhum dos cultos, pois, se desobedecer a este regulamento da igreja, ficará afastado (“no banco”) durante três meses (desse jeito o fiel ficará longe da igreja para sempre!);

- Você, que cometeu algum pecado nestes dias, não pode participar da Ceia do Senhor (se é assim, então nos cultos de ceia as igrejas ficarão vazias!).

Conclusão

Bem, estes são apenas alguns poucos exemplos de “legalismos” e “tradições humanas” que, por mais incrível que possa parecer, estão bem presentes em várias igrejas por aí. Tais “ordenanças” e proibições, entre tantas outras que poderíamos mencionar, visam, muitas vezes, manipular os fiéis e “podá-los” de sua liberdade que outrora foi conquistada em Cristo. Além disso, estes preceitos de homens, assim como o vaso raso do bonsai, não permitem que as nossas raízes se aprofundem na terra fértil da nossa relação com Deus. Todo este legalismo miniaturiza cada vez mais a nossa identidade cristã, funcionando como uma espécie de regime escravocrata o qual algema a nossa liberdade em Cristo e nos reduz à estatura de nanicos espirituais. É verdade que a Bíblia nos compara muitas vezes a árvores (por exemplo, Salmo 1.1-3; 90.12; João 15 etc), porém somos comparados a árvores grandes, frondosas e frutíferas e não a árvores anãs, limitadas e sem raízes profundas. Que Deus nos livre dessas igrejas que nos tornam reféns de regras e que, ao mesmo tempo, Ele nos ajude a desfrutar da total liberdade (com responsabilidade, é claro!) que um dia nos foi dada em Cristo Jesus!

Àquele que nos libertou para que fôssemos verdadeiramente livres, seja a honra e a glória para todo o sempre!

Autor: Carlos Augusto Vailatti