por Carlos Augusto Vailatti
A
verdadeira páscoa, em sua origem, não tem nada a ver com coelhos ou ovos de
chocolate, por mais deliciosos que sejam estes últimos. Estes elementos foram
introduzidos somente posteriormente na páscoa cristã que, aos poucos, acabou
sendo grandemente influenciada por pensamentos e símbolos do paganismo.
No que
diz respeito ao coelho, este animal sempre
foi visto como símbolo de fertilidade, nascimento e nova vida desde o Antigo
Egito. Então, com o passar do tempo, um evento diretamente relacionado à páscoa
cristã, isto é, a ressurreição de Jesus, foi associado com o símbolo do coelho,
devido à sua conhecida capacidade de gerar novas crias. Esta "nova
vida" gerada pelos coelhos acabou se identificando com a "vida
nova" obtida por Cristo em Sua ressurreição.
Quanto
ao ovo, este também era visto como símbolo de nascimento e ressurreição. Aliás,
conta-nos a lenda que Simão, o cireneu, quem ajudou Jesus a carregar a Sua cruz
até o Calvário (Mateus 27:32; Marcos 15:21; Lucas 23:26), era vendedor de ovos.
E estes ovos, ainda segundo a lenda, teriam se tornado milagrosamente coloridos
após a crucificação de Jesus. Essa lenda, acredita-se, teria dado ensejo ao
surgimento dos "ovos pintados" e, posteriormente, aos "ovos de
chocolate", sendo estes últimos imprescindíveis para o sucesso de vendas
do comércio no mundo ocidental.
Apesar do significado lendário e capitalista
da páscoa estar bem arraigado em nossa sociedade, urge relembrar, de igual
modo, o significado verdadeiro da páscoa. No Antigo Testamento, a palavra
"páscoa" vem do hebraico "pêssach" e significa "passar
sobre" ou "passar por cima". O termo vem da raiz hebraica
p(pê)-s(samekh)-ch(chêt), cujo sentido básico é "pular" ou
"andar de forma irregular". A páscoa é uma das três festas de
peregrinação judaica (as outras duas festas são "shavuot",
literalmente "semanas" ou "pentecostes"; e "sukot",
"tabernáculos"), festa essa que possui caráter eminentemente
libertador, pois comemora a libertação dos escravos israelitas do regime
escravocrata egípcio, retratado no livro de Êxodo. O nome da festa,
"pêssach", teve origem na última das chamadas "Dez Pragas",
a da "Morte dos Primogênitos", quando todos os primogênitos dos
egípcios foram mortos pelo "Destruidor", em hebraico,
"mashchit" (Êxodo 12:23), ao mesmo tempo em que Deus "passou
sobre" ou "pulou" as casas dos israelitas, poupando-lhes a vida
de seus primogênitos (Êxodo 12:27), pois haviam pintado os umbrais de suas
portas com o sangue do cordeiro, animal este considerado sagrado no Egito.
Já no
Novo Testamento, a páscoa e o seu significado foram redimensionados e
reinterpretados à luz da ótica e fé cristãs. Como Jesus morreu, segundo os
Evangelhos, no mesmo dia em que os judeus sacrificavam um cordeiro a fim de
comemorar a libertação da escravidão egípcia, ou seja, a "páscoa
judaica" (cf. Mateus 26:2; João 19:14-18 etc), logo, Jesus acabou sendo
interpretado como "o cordeiro pascal cristão". Paulo, aliás, disse:
"porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós" (1 Coríntios
5:7).
Desse modo, a páscoa cristã tanto significa
"a libertação dos pecados" para todo aquele que crê em Jesus como
"o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (João 1:29, 35-36),
como também demonstra o imensurável amor de Deus pela humanidade, ao entregar o
Seu Filho, Jesus, para morrer em seu lugar (João 3:16).
Em
uma época tão secularizada como a nossa, na qual os valores cristãos são muitas
vezes ignorados, esquecidos, confundidos, deturpados, mal interpretados e até
mesmo atacados, urge trazer à memória o real significado da páscoa
judaico-cristã. A páscoa nos fala sobre um Deus extremamente amoroso que, por
um lado, não se portou com indiferença diante do sofrimento do Seu povo no
Egito, de modo que o libertou; e, por outro lado, não agiu de forma insensível
diante de uma humanidade pecadora, provendo-lhe "o Cordeiro Pascal",
Jesus, como Libertador de sua escravidão ao pecado.
Embora,
em nossos dias, seja quase impossível efetuar a "descoelhização" e a
"deschocolatização" do imaginário popular quanto à
"páscoa", todavia, sempre é possível resgatar o verdadeiro sentido da
Páscoa cristã, o qual foi muito bem resumido por Pedro: "Sabendo que não
foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa
vã maneira de viver que, por tradição, recebestes dos vossos pais, mas com o
precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado, o
qual, na verdade, em outro tempo, foi conhecido, ainda antes da fundação do
mundo, mas manifestado, nestes últimos tempos, por amor de vós; e por ele
credes em Deus, que o ressuscitou dos mortos e lhe deu glória, para que a vossa
fé e esperança estivessem em Deus". (1 Pedro 1:18-21).